segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Igreja, Estado e soberania do povo

Os livros usados nessa parte estão abaixo:




Sto Agostinho - Cidade de Deus:
http://charlezine.com.br/wp-content/uploads/Cidade-de-Deus-Agostinho.pdf

Escritos políticos de Sto Tomás de Aquino:
http://portalconservador.com/livros/Santo-Tomas-de-Aquino-Escritos-Politicos.pdf


Marsílio de pádua - O defensor da paz
https://archive.org/details/defensorpacisofm08emer

Dante A Monarquia
http://www.portalconservador.com/livros/Dante-Alighieri-Monarquia-ES-.pdf


Resumo dos textos.

Sto Agostinho - Cidade de DeusA cidade Celeste e a Graça
Em sua grandiosa visão católica da história, Santo Agostinho nos fala sobre as duas cidades: a de Deus e a do homem. Na de Deus fundada sobre o amor a Deus levado ao desprezo de si próprio,e a dos homens, fundada sobre o amor-próprio levado ao desprezo de Deus. Essas cidades foram fundadas no livro do Gênesis por Caim e Abel. Caim criando uma cidade na Terra,e Abel, que não criou nenhuma cidade na Terra mas fundou a celeste. Para Santo Agostinho, a primeira cidade está destinada a sofrer a pena eterna com o Diabo e a segunda a reinar eternamente com Deus . Temos então dois personagens: o cidadão do mundo e o peregrino do céu. Encontramos portanto na cidade terrena duas formas: uma que ostenta sua presença, outra que é com a sua presença, imagem da cidade celeste. A natureza pervertida pelo pecado gera os cidadãos da cidade terrestre, e a graça, que liberta do pecado, gera os cidadãos da cidade celeste. Nesse ponto podemos fazer a união entre os dois maiores teólogos da Cristandade: Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. São Tomás pergunta se sem a graça pode o homem querer e fazer o bem. Ele responde que o pecado não corrompeu totalmente a natureza humana a ponto de privá-la de todo o bem que lhe é natural. Mas para realizar uma obra meritória de caráter sobrenatural é necessário o auxílio da Graça. Santo Agostinho dirá: “sem a Graça ninguém pode absolutamente fazer o bem: seja pensando querendo, amando ou agindo”. Ele também dirá a respeito se a Graça acrescenta algo à alma:” onde disse que a Graça consistia na remissão dos pecados, e a paz na reconciliação com Deus; não se deve entender que a paz e a reconciliação não fazem parte da Graça, no sentido geral do termo mas que, tomado num sentido especial, este termo graça designa a remissão dos pecados”. São Tomás diz que a Graça é maior em uma pessoa do que em outra, mas isso não nos deve deixar tristes ou com sentimentos de inveja, pois nesse ponto há desigualdade. Porque Deus dispensa os dons de sua Graça de diversas maneiras, porque Ele estabeleceu os diversos graus das coisas para a perfeição do universo. O cidadão da cidade Celeste questiona se a graça é a mesma coisa que virtude. Santo Agostinho diz que “a graça que opera, é a fé que opera pelo amor”. Logo a Graça seria uma virtude. Mas Santo Agostinho também diz que “a Graça é anterior à caridade”. Portanto a Graça não é uma virtude. Como resolver essa questão? Aristóteles diz que “ a virtude é uma disposição do que é perfeito, e o perfeito é o que está disposto segundo a natureza”. São Tomás explica que como a luz da razão é distinta das virtudes adquiridas, a luz da Graça é uma participação à natureza divina e é distinta das virtudes infusas que derivam desta luz e lhe são ordenadas. São Tomás não identifica a Graça com a virtude. Em um capítulo da sua obra a cidade de Deus, Santo Agostinho escreve sobre a graça de Deus e seus efeitos, e mostra como pelo pecado de um só homem caímos em tão deplorável miséria, assim como pela Graça de um só Homem que é ao mesmo tempo Deus, chegamos à posse de nosso soberano bem. A vida é uma batalha, mas Santo Agostinho diz ao cidadão da cidade celeste que é melhor a guerra com a esperança da vida eterna do que o cativeiro sem esperança de liberdade.
Santo Agostinho faz uma longa defesa da fé cristã diante dos ataques vindos do paganismo da época, que culpava o cristianismo pela decadência do império romano( tese falsa que seria adotada pelo historiador Edward Gibbon). Santo Agostinho descreve a incrível multidão de deuses que os romanos acreditavam e demonstra a irracionalidade de seus cultos.
O livro é muito rico em discussões, como, por exemplo, o valor do sofrimento no qual quem sabe sofrer reza e agradece a Deus, enquanto o desesperado protesta e blasfema. Santo Agostinho diz que no sofrimento Deus revela a força de sua piedade.
A influência platônica em Santo Agostinho é bem conhecida. Na Cidade de Deus ele confessa que o platonismo é a filosofia que mais se aproxima da fé cristã. Platão estabeleceu que o fim do bem é viver de acordo com a virtude, o que pode conseguir apenas quem conhece e imita a Deus, e que essa é a única fonte de sua felicidade. Santo Agostinho quer que o filósofo tenha amor a Deus, porque gozar de Deus e amar a Deus é ser feliz.
Citando o maravilhoso filósofo neoplatônico Plotino, Santo Agostinho dirá que a morte corporal é uma dádiva que Deus deu aos homens, porque não quis prendê-los para sempre às misérias desta vida. Plotino diz que Deus é o Sol e a alma é a Lua, e que a alma intelectual não reconhece como natureza superior à sua senão a de Deus, autor do mundo e seu autor.
Para os espíritos amolecidos e românticos de algumas pessoas hoje em dia, algumas palavras de Santo Agostinho podem chocar. Diz ele: “quando elevamos nossa alma ao céu, o coração é seu altar; imolamos-lhe vítimas sangrentas quando combatemos até o derramamento de nosso sangue por sua verdade”. Ou seja, é necessário às vezes pegar em armas para defender a fé cristã.

A obra de Santo Agostinho trata da história da salvação desde a Antiguidade até o tempo de Cristo e sua Ressurreição, passando pelos romanos e pelos judeus. O estilo de escrita de Santo Agostinho é muito belo, e citações de passagens suas por outros filósofos desde São Tomás até Wittgenstein ( que baseou suas Investigações Filosóficas em uma passagem das Confissões) e Eric Voegelin são abundantes.
Podemos fazer uma meditação sobre o que diz uma passagem da Cidade de Deus no capítulo XII do sétimo livro. O título desse capítulo é A Júpiter  dá-se também o nome de Pecúnia. Aqui vai o rápido comentário do Santo: ” Em relação a tudo  quanto se contém no céu e na Terra, que é o dinheiro entre as coisas que, com o nome de dinheiro, os homens possuem? Na realidade, foi a avareza que impôs semelhante nome a Júpiter, como o propósito de que a todo aquele que ama o dinheiro não lhe parecesse amar qualquer deus, mas o rei de todos os deuses. Não seria assim se lhe chamássemos de Riqueza. Uma coisa são as riquezas; outra, o dinheiro. Chamamos ricos,sábios, justos e bons a quem carece de dinheiro ou tem pouco.São ricos em virtude que lhes ensinam a contentar-se com o que têm, quando se veem em falta de bens temporais. E damos o nome de pobres aos avaros, sempre anelantes e sempre em necessidade, porque é possível que tenham as maiores riquezas do mundo, mas, por muito grande que seja o seu patrimônio, não podem não estar necessitados (…) em que o rei dos deuses tomou o nome da coisa que  jamais sábio algum desejou? com que facilidade, se salutarmente aprendessem algo da ciência da vida eterna, chamariam Deus ao regedor desse mundo, não por causa do dinheiro, mas por causa da sabedoria, cujo amor purifica da imunda cobiça, ou seja, do amor ao dinheiro!”
Lendo essa passagem vemos como é impossível conciliarmos o Cristianismo tanto com o liberalismo econômico quanto com o socialismo. O Cristianismo pretende nos fazer sábios e ricos espiritualmente, enquanto essas doutrinas modernas visam aumentar o lucro e a cobiça do ser humano, pois nenhuma das duas conseguem pôr freio às ambições de dinheiro e bens que seus seguidores possuem. Não podemos servir a Deus e às riquezas ao mesmo tempo. Então, pode o homem ser feliz mesmo sabendo da sua mortalidade? É possível uma felicidade como à de Aristóteles, que acreditava que o homem pode ser feliz na prática da contemplação? Santo Agostinho responde no capítulo XIV do nono livro: ” Os homens discutem grande problema: Pode o homem ser feliz e mortal? Alguns, considerando-lhe com humanidade a condição, negam ao homem a possibilidade de ser feliz, enquanto viver para morrer. Outros, exaltando-se a si mesmos, atreveram-se a dizer que o sábio, embora mortal, pode alcançar a felicidade. Se é assim, por que não elevá-lo, antes, à categoria de mediador entre os mortais infelizes e os bem-aventurados imortais, se com estes partilham a felicidade e com aqueles a mortalidade? É fora de dúvida que, se felizes, não invejam ninguém, porque nada existe mais miserável que a inveja. E, portanto, velam quanto podem pelos miseráveis mortais, para que consigam a felicidade e possam também, depois da morte, ser imortais em companhia do anjos e dos bem- aventurados  imortais.”
Quem é esse mediador que livrará o homem da infelicidade de ser mortal? Santo Agostinho responde: É Jesus Cristo, ” que é homem, mas também Deus, que por intervenção de bem-aventurada mortalidade conduz os homens da miséria mortal à imortalidade feliz.” É Cristo, diz Agostinho, que nos prepara o caminho, e não outros mediadores que nos façam subir por degraus, porque Deus nos associa à sua beatitude pelo caminho mais curto. O fim do homem será definido por um filósofo cristão posterior a Santo Agostinho, que foi Boécio, o qual disse a respeito da eternidade:”interminabilis vitae tota simul et perfecta possessio” ( a eternidade é a possessão simultânea de uma vida interminável completa e perfeita )
Resenha  - Escritos políticos de Sto Tomás de Aquino:

O teólogo e filósofo italiano Tomás de Aquino (1225-1274) buscou conciliar a filosofia aristotélica com a orientação teológica de então, especialmente a teologia de Santo Agostinho. Na tentativa de resposta a esse desafio, construiu talvez o maior sistema teológico e filosófico da Idade Média. O conjunto de sua obra o transformou na figura mais importante da filosofia medieval e um dos teólogos mais notáveis do catolicismo.

Nascido no norte da Sicília, foi educado na Universidade de Nápoles e em Colônia. Ensinou em Paris e em Nápoles. Foi canonizado em 1323 pelo Papa João XII. Em 1243, Tomás de Aquino entrou para a ordem dos dominicanos e estudou com o teólogo e filósofo escolástico alemão Alberto Magno (1193-1280). Influenciado pela perspectiva de Agostinho, Tomás de Aquino ajudou a organizar o conhecimento de seu tempo, colocando-o a serviço da fé cristã.

Neste seu esforço para reconciliar fé com razão, criou uma síntese filosófica das obras e ensinamentos de pensadores importantes tais como: Aristóteles (384-322 a.C.), Santo Agostinho (354-430), Averróis, ou ibn Rushd (1126-1198), Avicena, ou ibn Sina (980-1037).

Antes de tudo um teólogo, Tomás de Aquino produziu uma vasta obra, que abrange temas como o ser e o ente, a alma, a natureza e o cosmos, lógica e moral, além, é claro, dos tratados teológicos. No entanto, não chegou a elaborar nenhum tratado sistemático sobre política. Apesar disto, um exame mais acurado de seus escritos demonstra que o extraordinário pensador medieval não deixou de abordar o tema.

Mesmo não tendo como foco central a política, no interior de seus escritos, em passagens localizadas em distintos trabalhos, Tomás de Aquino acaba por enfrentar questões de cunho político. Isto certamente deve-se ao fato de que, além de ser um estudioso, um teólogo formulador de teorias e conceitos, dentro do que o próprio Tomás de Aquino denominava razão especulativa. O Aquinate também era um homem ativo nas questões práticas, um homem que vivia intensamente o cotidiano, o mundo da vida e, portanto, preocupado com a razão prática, isto é, envolvido na análise de temas como a moral, as leis que regulam o comportamento humano, o convívio social entre os homens e, por conseqüência, a política.

Tomás de Aquino e a análise da lei

Para Tomás de Aquino a essência da lei é a racionalidade, dirigida ao bem comum. Sobre isto escreve o Aquinate na Suma Teológica: “A lei é uma regra e medida dos atos, pela qual somos levados à ação ou dela impedidos. Pois lei vem de ligar, que obriga a agir. Ora, a regra e a medida dos atos humanos é a razão, princípio primeiro desses atos. Porque é próprio da razão ordenar para um fim, princípio primeiro do agir segundo o Filósofo[i] (…) donde se conclui que a lei é alguma coisa que pertence à razão”.

Tomás de Aquino distingue quatro tipos de lei: a) lei eterna; b) lei natural; c) lei positiva; d) lei divina. A lei eterna é, para o Aquinate, é a eterna razão de Deus, fundamento último de todas as outras leis. Assim, todas as leis participam da lei eterna, já que participam da razão e se acham impregnadas pela razão. Entre todos os seres criados, o homem participa da lei eterna de modo especial, pois sabe, ou lhe é permitido saber, que dela participa.

Pois é exatamente esta participação do homem na lei eterna que Tomás de Aquino denomina lei natural. Ao apontar os preceitos fundamentais da lei natural, de certa forma antecipando-se a Kant (1724-1804), Tomás de Aquino formula o conceito de razão prática, praeticae rationis. Adotando o pressuposto de que todos desejam o bem, o primeiro preceito da lei natural diz que se deve fazer o bem e evitar o mal, o que implica em saber distinguir entre bem e mal. Portanto, outro preceito da lei natural é evitar a ignorância. Daí seguem-se: tender à vida social, a união dos sexos, a educação dos filhos, não ofender àqueles com quem se convive.

Como estes preceitos estão fundamentados na lei natural e dela decorrem, são preceitos universais, válidos para qualquer homem, em qualquer tempo e lugar. Já a lei positiva, ou humana, é a aplicação da lei natural, adaptada às contingências decorrentes das circunstâncias particulares de tempo e lugar. A lei positiva, estabelecida e promulgada pelos homens decorre diretamente da lei natural, na medida em que é conseqüência e determinação particular do que há de comum e indeterminado na lei natural. A lei humana, portanto, estabelece a mediação entre os princípios de amplitude universal e os casos particulares.

Por sua vez, a lei divina, inacessível à razão humana, é perfeita e tem como objetivo a salvação humana.

A análise empreendida por Tomás de Aquino sobre a questão da lei adquiriu, ao longo da tradição ocidental, merecida relevância. A prova maior disto seja talvez que seus escritos sobre o tema são estudados até hoje nos cursos de Direito das melhores instituições de ensino[ii]. E este argumento adquire maior contundência quando se conclui, hoje quase que unanimemente, que Tomás de Aquino é, acima de tudo, um teólogo, antes de ser filósofo. Não há dúvidas que o Aquinate tenha elaborado filosofia, e filosofia de grande qualidade. Entretanto, Tomás de Aquino só o fez no caminho, ou no processo, de construção de um sistema teológico. Isto é, Tomás de Aquino enxergava a filosofia como um instrumento à serviço da teologia.

Mas e então: Teólogo ou Filósofo?



Ao se analisar alguns aspectos do pensamento de Tomás de Aquino, pode-se ter a impressão de que ali está um racionalista. Todavia, Tomás é acima de tudo um teólogo, um homem de Deus, para quem a filosofia deve servir a fé, devendo sobretudo submeter-se a ela.

Apesar disto, em Tomás de Aquino percebe-se um forte traço racionalista, ou melhor, um analista do bom ou mau uso da razão, seja quando alguém extrapola sua competência, seja quando alguém diminui seu valor. Em ambos os casos, para o teólogo Tomás de Aquino, a fé é prejudicada. No caso do excesso, a razão começa a invadir o terreno exclusivo da fé, ou seja, o campo dos mistérios divinos. No caso da desconfiança da razão, torna-se quase impossível a tarefa de levar a fé aos não-crentes, de demonstrar racionalmente a existência de Deus.

A manifesta condição de teólogo não lhe retira, todavia, a sensibilidade filosófica e historicista.

Os escritos políticos do Aquinate talvez permitam colocá-lo como o primeiro analista político medieval. Nos escritos de Tomás de Aquino há a captura, a percepção, de um espírito novo, um espírito laico, secular, que, de modo incipiente, surgia naquele momento da Universidade de Paris.

O espírito secular não estava apenas na Universidade de Paris, onde Tomás de Aquino atuava como professor, mas na Europa como um todo. É o início do fim do período medieval. A modernidade estava ali, embrionariamente, surgindo. A ironia maior nisto é exatamente o fato de que extraordinários teólogos medievais irão contribuir para o final do período medievo.

É o caso de John Duns Scot (1266-1308), Guilherme de Ockham (1285-1350), Marsílio de Pádua (1275-1343), além do próprio Tomás de Aquino. Evidentemente que a redescoberta de Aristóteles, e com ele a redescoberta de todo o pensamento grego, através de pensadores árabes como Avicena (ibn Sina) e Averróis (Ibn Raschid), foi fator decisivo para esta transição embrionária em direção à modernidade.

Tomás de Aquino, na condição de teólogo e professor da Universidade de Paris, viveu este fascinante e efervescente período de transição. O pensamento de Aristóteles e as investigações dos filósofos gregos desafiavam muitos dogmas do conhecimento trazido pela fé, pelas revelações bíblicas, isto é, pela teologia. O efeito da divulgação da filosofia aristotélica foi perturbador, desafiador, para a concepção cristã do mundo. Tomás de Aquino tomou para si o desafio de harmonizar o pensamento aristotélico e a cosmovisão católica. Fé e razão precisavam caminhar juntas. A partir de uma habilidosa e peculiar interpretação da filosofia aristotélica Tomás de Aquino adequou o pensamento do Filósofo à doutrina cristã.

A interpretação de Aristóteles por Tomás de Aquino é habilidosa porque ele a modificou em aspectos fundamentais que conflitavam com a concepção cristã do mundo. Como em relação ao fim último do homem, a distinção entre essência e existência e a noção de universo incriado. É sempre aconselhável desconfiar das afirmações de Aristóteles mencionadas por ele… O pensamento do filósofo grego é adequado, quase sempre,  à luz de seus próprios princípios teológicos.

Apesar disso, Tomás de Aquino consegue, soberbamente, ao mesmo tempo, não renegar a então recém-redescoberta filosofia aristotélica, e ainda utilizá-la para reforçar a doutrina de fé cristã, em um fantástico processo de tentativa de conciliação entre fé e razão.

Já no plano social e político, merecendo a denominação de primeiro politólogo do medievo, Tomás de Aquino, da mesma forma que conciliou filosofia e teologia, buscou harmonizar o poder temporal e o poder espiritual, instância que já revelavam à época tendências conflitantes.

Para Tomás de Aquino, o poder temporal do Estado é concebido como uma instituição natural, cuja maior finalidade consiste em promover e assegurar o bem comum. A Igreja seria uma instituição fundamentalmente de fins espirituais, cuja principal finalidade é conduzir o homem à salvação em Deus. Considerada esta distinção, o Estado não necessitaria subordinar-se à Igreja como se fosse ela um Estado superior.

Dentro desta concepção, Tomás de Aquino elabora sua distinção dos tipos de lei que dirigem a comunidade ao bem comum. A lei eterna representa e eterna razão de Deus e é o fundamento último para toda a lei. A lei natural é responsável pela conservação da vida, geração e educação dos filhos e do desejo da verdade. As leis humanas são estabelecidas pelo homem com base na lei natural e são dirigidas à utilidade comum, a conduzir o homem à virtude pela disciplina. Por fim, a lei divina tem por finalidade maior guiar o homem ao seu fim sobrenatural, isto é, a salvação em Deus.

A partir desta perspectiva é que deve ser analisada a exposição de Tomás de Aquino sobre a lei na Suma Teológica. Como refere Francisco Benjamin de S. Neto, na introdução ao livro que serviu de texto base para este ensaio, o subjectum de que trata o teólogo Tomás de Aquino das questões sobre a lei ainda é Deus, visualizado como princípio externo que move o homem ao bem, “instruindo-o mediante a lei e auxiliando-o mediante a graça” (in Tomás de Aquino. Escritos Políticos, 1997, pp. 8-9).

A abordagem da lei realizada por Tomás de Aquino é eminentemente teológica, na medida em que isto pode remeter o homem a um maior conhecimento de Deus e, conseqüentemente, facilitar a busca do caminho da salvação através da virtude e do cuidado com o bem comum.

Todavia, o fato de Tomás de Aquino abordar a questão da lei sob um enfoque teológico não retira a profundidade, a substancialidade e a qualidade da análise por ele empreendida. Ao contrário, a notável abordagem sobre a lei realizada pelo Aquinate adquire ainda mais importância e significação e, portanto desperta maior interesse, por ser elaborada não por um jurista, mas por um clérigo, um teólogo e homem de Deus, acima de tudo.

Marcelo Lorence Fraga


Mestre em Filosofia

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